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quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Álcool e drogas causam transtornos mentais graves

Álcool e drogas causam transtornos mentais graves

"Não sabia o que acontecia comigo. Acho que saía de mim". É assim que José Lino, 44 anos, tenta definir sua mudança de comportamento após ingerir bebida alcoólica. Por conta do alcoolismo, nos últimos três anos, José começou a apresentar transtornos mentais. Com suas crises, ele perdeu amigos, emprego, valores e o que tinha de mais precioso, segundo ele: "Perdi minha família e minha credibilidade".


Sentado ao lado de José Lino, Antônio Ferreira dos Santos, 59 anos, sabe que sem o apoio da família, principalmente a sua esposa, Maria da Conceição, não teria conseguido deixar a bebida que lhe causava "nervosismo, alucinações". "Tive que procurar ajuda. O pouco que tinha estava indo embora por causa da bebida que me deixava fora de mim", lembra.

Hoje, José Lino e Antônio Ferreira fazem parte de um grupo de 3.500 pessoas que buscam a reabilitação no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) AD, na região Sul de Teresina. Os números, porém, são ainda maiores quando analisados a partir da fila de espera para a reabilitação no Caps. A cada dia, segundo os órgãos de saúde, cresce o número de pessoas dependentes do álcool e outras drogas que desenvolvem transtornos mentais.

De acordo com especialistas, as drogas, como o álcool, podem causar reações psicóticas e pode exacerbar os sintomas daqueles diagnosticados com esquizofrenia. "Quem tem tendência a psicose pode passar a vida toda sem ter nenhum tipo de manifestação. Mas com o uso de drogas acaba desenvolvendo transtornos mentais, como alucinações, depressão, síndrome do pânico e esquizofrenia", aponta a terapeuta ocupacional Auxiliadora Madeira Campos.

Um levantamento feito pelo Observatório de Políticas Sociais do Governo Federal mostra que as pessoas que vivem nas ruas da cidade, sejam elas crianças, adolescentes, jovens e adultos têm envolvimento com álcool e drogas e, a maioria, transtornos mentais severos e permanentes. Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria, atualmente, 500 mil pessoas vivem nas ruas do país, 30% dos quais são doentes mentais e 50% deles são dependentes de álcool ou drogas, chamados dependentes químicos.

Terapeuta Ocupacional Auxiliadora Madeira Campos (Foto: Raoni Barbosa)
Terapeuta Ocupacional Auxiliadora Madeira Campos (Foto: Raoni Barbosa)

Somente no Caps AD em Teresina são oito novos casos diários de pessoas com transtornos mentais por conta das drogas e álcool. "O uso cada vez maior e os danos provocados, direta ou indiretamente, pelo consumo do álcool resulta na presença cada vez maior de comorbidades. Assim, temos registrado um aumento nas ocorrências de patologia em um indivíduo já portador de outra doença", frisou a terapeuta.

3% da população possuem distúrbios psiquiátricos


Os transtornos mentais ainda é um tema incômodo, seja para o próprio portador de doença mental e sua família, seja para o Estado. Sem falar no pouco e restrito debate sobre o assunto, seus estereótipos e a pouca atenção dada a esse assunto. Assim como os doentes mentais, também o debate sobre o assunto ainda é marginalizado. Segundo o Ministério da Saúde, 3% da população possuem transtornos mentais.


Os casos de Luana e Clara, relatados pela própria família, mostram que pouco que se evoluiu no país desde a implantação da chamada reforma psiquiátrica, impulsionada pela Lei 10.216/01. A lei tinha como objetivo regularizar as internações psiquiátricas, na tentativa de humanizar o tratamento e promover mudanças no modelo assistencial em todo o Brasil.

Doentes mentais eram internados nos hospitais psiquiátricos e por lá ficavam anos, enjaulados como animais ou presos perigosos, recebendo tratamento desumano: torturas, choques elétricos, falta de água, comida e até roupas. Em Teresina, somente o Hospital Areolino de Abreu, zona Norte da cidade, realiza atendimentos através do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2009, o atendimento pelo SUS por parte do Sanatório Meduna foi cancelado.

O Hospital Areolino de Abreu tem sido bem avaliado pelo Ministério da Saúde em termos de referência. Atualmente, conforme a diretora do local, Maria das Graças, 150 pacientes estão internados na instituição pelo SUS. "Já tivemos um período que eram quase 400 pessoas internadas. Com o tempo estamos diminuindo o número de internações porque acreditamos na assistência psicossocial", afirmou.

Segundo ela, ao contrário, do que se pensa em relação aos hospitais psiquiátricos, o Areolino de Abreu "não é um galpão onde as pessoas ficam jogadas". E completou: "Oferecemos atividades de reinserção social, com atividades culturais, esportivas, artesanais mostrando que as pessoas que possuem transtornos são capazes de viver normalmente".

Doentes mentais ainda vivem enclausurados
Uma grade é o que separa a jovem Clara (nome fictício), 29 anos, do restante da casa de cinco cômodos, na região Norte de Teresina. Um pequeno cômodo que possui apenas uma cama é o mundo da jovem diagnosticada esquizofrênica aos 20 anos. O isolamento, segundo a mãe, de Maria (nome fictício) é uma forma de conter "as fúrias que de vez em quando ela tem e ninguém consegue segurar".

A decisão de isolar a filha não foi fácil. "A gente faz isso é quando chega no limite mesmo. Não tem jeito. Já internamos, damos remédios, mas é pra proteger ela mesma e a família, né?", conta Maria. Do outro lado da cidade, zona Sudeste de Teresina, outro caso semelhante. Luana (nome fictício) estudava Administração e trabalhava em um escritório de distribuição de medicamentos.

Aos 22 anos teve uma crise de euforia, seguida por violenta depressão. Diagnosticada com transtorno bipolar, se afastou do trabalho para tratamento. Voltou por um breve período, mas logo teve novos surtos. "Ela sempre teve um comportamento normal e de repente passou a ter crises", disse a mãe de Luana que em depoimento por telefone para O DIA preferiu não ser identificada.

Em casa, tinha surtos de violência. "Eu a levava ao hospital, mas na maioria das vezes davam remédios para acalmá-la e a mandavam de volta", afirmou, acrescentando que a saída foi trancá-la ermanentemente em um quarto. "Fica trancada no quarto, para não se ferir ou machucar a gente. A família também fica transtornada porque não sabe lidar com isso", desabafa.

Assim como as duas mães ouvidas pelo O DIA, muita
gente não sabe como lidar com doentes mentais em casa. Para o psiquiatra Renato Lima, casos como estes em que doentes são mantidos em cárcere privado são comuns não só em Teresina, mas no Piauí. "As pessoas precisam ser melhor informados sobre o doente mental. A família faz isso porque não sabe como agir e sofre junto com o doente", disse. E completou: "O melhor modelo é tratar o doente integrando-o à sociedade. É preciso ajuda de todo mundo".


ONG Amigo no Ninho defende a desospitalização

Em Teresina, a Organização Não-governamental (ONG) Amigo no Ninho defende uma rediscussão do tratamento e assistência à pessoa portadora de transtornos mentais. Para a presidente da entidade, Maria Edileuza, as "internações domiciliares" não minimizam os problemas, mas mostra a realidade dos doentes não só no Estado, mas no país.


"É preciso que se discuta urgentemente a doença mental nos seus três níveis de assistência: o tratamento em ambulatório, os serviços extrahospitalares e, como última opção, a internação", disse. A principal discussão é o atendimento nos ambulatórios. Os pacientes levam até três meses para conseguir uma consulta e quando consegue ser atendido corre o risco do lugar não ter receituário para medicamento controlado nem o medicamento.

"Sem esse primeiro atendimento, sem a medicação adequada, o doente mental pode entrar em crise em casa, na rua, no hospital", completou a presidente da ONG. Maria Edileuza aponta ainda que existem os problemas estruturais para a manutenção e consolidação da rede de reabilitação psicossocial. "Acreditamos que é possível tratar um problema mental sem precisar deixar o ambiente do trabalho, dos estudos, da família", destacou. Um dos pontos da reforma psiquiátrica é a desospitalização também defendida pela ONG Amigos no Ninho. Em tese, todo leito desocupado deve ser fechado, para evitar a internação de novos pacientes. Outro ponto é a chamada rede extrahospitalar, com a criação de Centros de Assistência Psicossocial (CAPS) e outras unidades de atendimento ambulatorial, ligados às unidades de saúde dos municípios. Dessa forma, os doentes
atendidos só ficam internados se sofrerem alguma crise aguda, por exemplo. A internação, contudo, só ocorre com prazo definido e se for da vontade do paciente ou de sua família.


Segundo a terapeuta ocupacional Auxiliadora Madeira Campos, essas unidades oferecem ainda atividades terapêuticas, como música, dança, teatro e atividades artesanais, o que psiquiatras destacam como essencial para o sucesso do tratamento. "Acreditamos que a reabilitação ainda seja o caminho para ajudar essas pessoas que precisam de um atendimento especializado", pontuou.

Contudo, como mostram dados do Ministério da Saúde, a rede extrahospitalar ainda não se desenvolveu completamente. 56% da verba do SUS ainda são destinados para os hospitais psiquiátricos, enquanto a rede recebe o restante 44%.

Jornal O Dia
Imagem: O Dia

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